Quem gosta de bom futebol, por certo já reparou: Ricardo Quaresma, um dos maiores talentos do futebol português, está mais maduro. Continua com aquele estilo fantasista, mas corre e joga para a equipa. A que se deverá esta súbita evolução, meses depois de ter sido apontado como um jovem talento em risco de se eclipsar? Um dos segredos pode estar no a proveitamento das fibras musculares. Trocado por miúdos: Quaresma tem uma resistência maior do que se julgava. O jornal A BOLA ouviu dois especialistas em treino e fisiologia do esforço (José Soares e José Augusto) e um psicólogo (Jorge Silvério). E há duas ideias fortes que merecem desenvolvimento: Quaresma tem mostrado uma maior resistência física do que é suposto um repentista ter; e, do ponto de vista psicológico, está mais maduro e concentrado. Comecemos pelo lado físico, talvez o mais interessante neste caso. Geralmente, um fantasista, que faz da criatividade a sua principal arma, apresenta uma massa muscular baseada nas fibras brancas, que conferem mais força e explosão mas pouca resistência à fadiga. Só que Quaresma tem-se revelado, esta época, um caso especial: mostra um grande equilíbrio entre as fibras brancas e as vermelhas, as que dão mais resistência. Para José Soares, professor catedrático na Faculdade das Ciências e do Desporto e Educação Física (FCDEF) e preparador físico da selecção nacional durante o Mundial-2002, "a composição muscular de um jogador é, em larga medida, determinada geneticamente. Não há grande espaço para alterações dessa composição, embora elas possam ocorrer. Num caso como o de Quaresma, as características já lá estavam. O que pode ter acontecido é que, nos últimos meses, o tipo de treino que foi feito permitiu que algumas qualidades se desenvolvessem". Neste contexto, Soares considera que a base da mudança esteve "no treino e não em eventuais alterações musculares", salientando que "é muito provável que essa alteração na forma de jogar decorra de uma mudança táctica, não tanto de alterações físicas. O jogador é trabalhado de outra maneira e, por isso, rende mais".
Velocista e resistente Mesmo sem dados biométricos para estabelecer comparações, José Soares identifica "melhorias visíveis" no desempenho físico de Quaresma. "Está, sem dúvida, mais completo. E é possível que, trabalhado de outra maneira, estejam a ser aproveitadas características musculares que já lá estavam, mas não eram utilizadas. O que é certo é que dá gosto ver jogar o Quaresma." Se a melhoria decorreu de um melhor aproveitamento da capacidade muscular de Quaresma, havia, então, fibras lentas que não eram devidamente aproveitadas:"No caso do Quaresma, é possível que consiga aliar, de uma forma equilibrada, as fibras brancas com as vermelhas, o que lhe permite essa polivalência. As fibras de resistência que já tinha terão sido maximizadas." Herança genética difícil de contornar Apesar de os dados sobre o perfil fibrilar dos futebolistas ser muito útil para se avaliar as potencialidades de um jogador, há poucos estudos sobre o tema. José Soares explica porquê: "Os métodos de verificação são muito invasivos. Mas seria muito útil ter esses dados, para se conhecerem melhor as características dos atletas com quem estamos a trabalhar." Em matéria de músculos, o mais importante é definido à nascença. Mas um bom trabalho a longo prazo pode aprimorar potencialidades adormecidas. "A herança genética é muito forte. Costuma dizer-se que a velocidade não se treina: ou existe ou não existe. Mas também é verdade que, por exemplo, um miúdo de 15 anos chuta muito melhor do que quando tinha 12. A força não mudou muito, mas como aprendeu entretanto a forma de chutar, melhorou a sua prestação. Isso pode trabalhar-se", explica José Soares. Nos futebolistas as diferenças de funções dentro do campo podem ser compartimentadas no que se refere às características musculares: "Um avançado tem mais fibras brancas que um médio, mas isso tem um preço: tem menos resistência. Um médio com mais fibras vermelhas tem mais gasóleo, resiste mais ao esforço." Força mental também ajudou Mas a questão muscular - sendo importante para perceber esta rápida progressão de Quaresma - está longe de explicar tudo. Para José Augusto, preparador físico da selecção nacional durante o Euro-2000, há um lado motivacional muito forte: "Nota-se um dedo de Adriaanse. Pelo que conheço dele, deve ter insistido muito com o Quaresma. Primeiro, a repreendê-lo, quando o obrigou a tirar todos aqueles brincos e anéis, mas depois, como forma de compensação, motivando-o, ao dizer-lhe que esta podia ser a sua grande época." Esta ideia remete para um bom trabalho dos factores mentais [ver peça à parte].Na perspectiva de José Augusto, o novo fôlego de Quaresma passou muito pela parte psicológica. "Um jogador mais motivado vai buscar forças e energias que ainda não tinha revelado. No caso do Quaresma, isso é notório. O que ele corre hoje e o que não corria na época passada ", concluiu este especialista em preparação física. |